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JUN 21
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Gestores veem espaço para alta do ‘kit Brasil’

Com vacinação, bolsa, real e juros entram no cardápio

Gestores veem espaço para alta do ‘kit Brasil’
Por Adriana Cotias — De São Paulo

Na toada da recuperação econômica que pode vir com o avanço da vacinação contra a covid-19 no Brasil, gestores de recursos esperam um período de valorização para os ativos brasileiros. Não se trata de nada estrutural, mas a percepção é que o “trade da vacina”, que já impulsionou os preços lá fora, mostre seus efeitos também por aqui.

Mais do que o “kit Brasil”, a expectativa é de ganhos generalizados para classes de risco globalmente. Tal leitura se ampara na tese de que o Federal Reseve (Fed, o banco central americano) não vai atrapalhar a festa e deve demorar para alterara a rota monetária.

‘A partir de outubro e novembro, com embate eleitoral ganhando calor, volatilidade retorna à cena’A principal aposta localmente é no real, que ficou para atrás quando comparado com seus pares. Depois de bater o nível recorde de 125 mil pontos na semana passada, a bolsa pode ainda ter combustível para ganhos adicionais. No mercado de juros a inflação ainda é dúvida, mas parte da gordura embutida nos prêmios pode ser queimada à medida que o Banco Central (BC) avance no ajuste monetário.

A Kairós segue com o pé atrás com o Brasil, ainda privilegia boa parte da alocação do seu multimercado em ativos internacionais, mas no curto prazo “tem ficado menos reticente”, segundo o sócio-fundador Fabiano Godói. “Ainda que a passos de cágado, e sem dentes, fatiadas, as reformas estão seguindo o devido processo legal na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), estabelecendo-se os relatores. Assim que a pandemia refluir, pode ter janela de oportunidade para ativos brasileiros, mesmo que não seja uma melhora estrutural.”

A bonança pode não durar muito, adverte Godói, já que a partir de outubro e novembro todas as baterias estarão votadas para a sucessão presidencial de 2022. Com a vacinação contra a covid-19 em curso e um maior número de pessoas já expostas à doença, o gestor diz haver razões para acreditar que a pandemia vai melhorar em alguns meses. “Com a economia reabrindo, algum nível de desemprego baixando, vai ficar a sensação de que o pior já passou e que haverá espaço a para os ativos brasileiros apresentarem algum grau de ‘catch up’ com os ativos lá fora.”

O ambiente internacional parece ser bom, destaca o sócio da Kairós, mais pairam dúvidas sobre a inflação americana e o quanto o Fed vai se mover, já que tem defendido que as pressões sobre os preços são temporárias.

Na parte da carteira dedicada a ativos locais, Godói afirma que o que parece mais fora de lugar é o real. “É claro que tem janela para tudo andar: a bolsa subir, a curva de juros pode fechar e o câmbio se apreciar. Mas quando se olha hoje, entre os ativos mais distantes do preço justo, o real está mais do que a bolsa.”

Para Godói, o ciclo de alta de juros no Brasil tem ajudado a moeda porque poucos meses atrás o país tinha uma taxa básica que era metade da observada entre os pares emergentes. “Com o juro muito baixo, o real estava sendo um hedge barato para qualquer um que estivesse comprado em bolsa por causa do carrego negativo, seja o investidor local seja o estrangeiro com posição em mercados emergentes.”

Na renda variável, a Kairós tem preferido as bolsas fora do Brasil. No mercado futuro de juros, Godói acha que as taxas curtas, de até dois anos, embutem taxas mais altas do que efetivamente o BC vai executar. Essa leitura vale tanto para estratégias relacionadas a juros nominais quanto reais.

As recentes pressões inflacionárias nos EUA devem se confirmar temporárias e vão ser insuficientes para o Fed retomar o ciclo de alta de juros, diz Mariano Steinert, sócio-gestor da Genoa. O time da asset espera que só na virada do ano o BC americano anunciará a retirada de estímulos (“tapering”), desinflando a liquidez da economia ao longo de 2022, para só começar a subir as taxas referenciais de fato no primeiro semestre de 2023. “Não haverá dificuldade para o mercado precificar um cenário mais otimistas”, diz.

Essa é uma história que encontra paralelos no Brasil, avalia o gestor. Ele cita que os estímulos e uma economia com restrições de oferta geraram inflação mais alta no período recente. Tirando a surpresa de uma variante da covid-19, a reabertura da atividade deve trazer bons números para o PIB a partir do terceiro trimestre. “O Banco Central continua dizendo que ao rodar seus modelos, a normalização ainda é parcial, mas não deve ficar preso a essa garantia e nada indica que vai reduzir o ‘pace’ de curto prazo [de altas de 0,75 ponto percentual por reunião.”

Steinert diz que a atividade já vem surpreendendo, com o aumento da arrecadação puxado pela alta das commodities. Na margem, essa dinâmica representa uma melhora fiscal. “Qualquer modelo de valuation de moeda baseado em termos de troca e resultados de conta corrente mostra que o real está disparado longe do seu ‘fair value’. E, com o BC normalizando a política - não acho que vá levar para o restritivo -, deve haver menor pressão na conta capital.” Para o gestor, ao fim do ciclo de ajuste, o juro real estará em 2%, tendo saído de 2% negativos.

O momento favorável para o real conversa com boas perspectivas para a bolsa, à medida que as projeções para o PIB vêm sendo elevadas de 4% para 5% neste ano. Comparativamente a outros mercados, Steinert diz que as ações brasileiras parecem baratas.

Setores que foram muito impactados pela pandemia, desde março de 2020, como o de shopping centers e o varejo físico, tendem a continuar se valorizando com o avanço a vacinação no país, diz Luiz Felipe Laudari, sócio-gestor da Mauá Capital. Ele afirma que as estimativas sobre a distribuição de vacinas têm funcionado como um indicador antecedente do comportamento da doença e da economia.

Uma fonte de preocupação é a inflação. O gestor acha que nos EUA, os índices de preços não parecem sair do controle, mas no Brasil há alguma indicação de inércia. “Se o mercado entender que o mundo vai ser mais inflacionário, ninguém mais vai discutir se as taxas dos Treasuries vão ficar em 2%, mas em 3% ou 4%. Em paralelo, no Brasil ninguém falaria mais em normalização monetária parcial, mas se os juros vão a 10% ou 15%”, diz Laudari.

A dinâmica inflacionária é um canal importante de transmissão para ativos de risco e é inegável que a percepção ligada a isso pode provocar movimentos bruscos de alocação de carteiras, prossegue o gestor. Apesar da expansão econômica turbinada por estímulos trilionários, Laudari afirma acreditar que a velocidade vai ser insuficiente para causar inflação permanente. “A tendência é de alta dos ativos no mundo inteiro, como foi entre 2012 e 2016, com volatilidade baixa “, afirma. “Tem cara e pinta de dólar fraco.”

No Brasil, a melhora da atividade e da arrecadação, com impacto na relação dívida/PIB, sugere haver oportunidades em posições aplicadas (apostando na baixa) em juros, por “ser um mecanismo que faz tirar prêmio de risco dos ativos brasileiros”, diz Laudari. “Acalma o câmbio e a taxa [futura] mais baixa ajuda na precificação da bolsa.”

Ele cita que, nesse tipo de crise, empresas listadas permanecem com acesso a crédito para se financiar e ganham participação de mercado de negócios que ficaram fragilizados com a pandemia. O gestor diz esperar uma boa safra de resultados trimestrais já que as companhias cortaram custos e ganharam eficiência durante a pandemia.

O sócio da Mauá diz que a Selic não precisa ir além de 5,5% a 6,5% ao ano no atual ciclo de alta. “Eu espero um ajuste parcial, mas quanto mais rápido [o BC] deixar de falar isso, mais possível ser mesmo parcial.” Laudari afirma ver prêmios nas Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) longas, que pagam IPCA mais 4,5% ao ano.

O cenário internacional segue construtivo, uma vez que a retirada de estímulos tende a ganhar corpo só na virada do ano, segundo Marcos Mollica, gestor do Opportunity. O Brasil, embora um pouco atrás, vai participar da festa da retomada com o maior lote de entrega de vacinas entre junho e julho. No fim do ano, o gestor já espera que o PIB esteja na casa dos 4,5%, com chance de surpreender para cima.

O lado adverso é que a inflação ainda está se espalhando pela cadeia de preços - “o IPCA está grávido do IGP-M”, diz -, e novas altas ainda vão aparecer para o consumidor. O gestor calcula que o índice que baliza o sistema de metas do Banco Central encerre o ano em 5,5% e em 2022 ficará perto de 4%. “O BC deve abandonar logo o discurso parcial para um ajuste completo [da Selic] para 6,5% ao ano, seguindo o passo de 75 [pontos-básicos] por ajuste.”

Outro risco que aparece no radar é o estressamento do setor elétrico se o regime de chuvas não se normalizar no período úmido e obrigar o país a um racionamento de energia no fim de 2021. “Podemos entrar em 2022 com risco maior de racionamento e a discussão eleitoral. Há, portanto, uma janela de quatro a seis meses, um conjunto de fatores alinhados do lado positivo até lá.”

Mollica diz que as ações já vêm correspondendo a essa expectativa e que o câmbio pode entrar em trajetória mais clara de apreciação. Já nas estratégias ligadas a juros, o gestor mostra menor convicção porque ainda falta visibilidade sobre o rumo da inflação e até onde o BC terá que ir com o ajuste.


Reprodução da matéria publicada no “Valor Econômico”, 01/06/2021.