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AGO 21
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Mercado vê chance maior de Selic terminar ciclo em 8% ou mais

Persistência inflacionária já pesa nas projeções para o IPCA de 2022

Mercado vê chance maior de Selic terminar ciclo em 8% ou mais
Por Victor Rezende, Marcelo Osakabe e Felipe Saturnino

As sucessivas surpresas na inflação corrente, as expectativas inflacionárias já próximas de 4% e o balanço de riscos assimétrico devido às incertezas fiscais sinalizam uma pressão crescente sobre o Banco Central (BC) para uma taxa de juros ainda mais alta. Se o caminho até o campo restritivo já está dado, ainda há dúvidas quanto ao nível da Selic no fim do atual ciclo, mas ganha força a percepção de que a taxa básica caminha para ao menos 8% ao ano.

Em pesquisa realizada pelo Valor ontem após a divulgação do IPCA-15 de agosto, a mediana das projeções de 61 economistas para a Selic no fim deste ano ficou em 7,75%, enquanto o ponto médio das estimativas para o juro básico no fim de 2022 foi de 8%.

“Não temos tido respiro. As expectativas de inflação estão sendo superadas há meses e vemos várias fontes para as pressões inflacionárias. Por enquanto, temos um cenário de muita inflação e alguns modelos sinalizam chance de o IPCA superar os 8% neste ano e os 4% em 2022, o que poderia gerar uma guinada ainda mais forte nos juros”, diz o economista-chefe do Haitong, Marcos Ross.

Ao estimar a Selic neutra em torno de 6,75%, ele afirma acreditar que a taxa deverá encerrar o ciclo em 7,75% ao ano. “É um nível alto de juros. Estamos em um ciclo extremamente agressivo, com a Selic saindo de 2% e indo para perto de 8%”, observa.

Para ele, os mandatos secundários do BC podem pesar a favor de um ciclo que não entre tanto no campo restritivo. “Tanto o hiato do produto quanto o mercado de trabalho estão muito abertos ainda. Entendemos que os juros terão de ir para 7,75% para haver uma convergência parcial da inflação para algo um pouco acima da meta”, diz Ross. O Haitong espera que o IPCA termine o próximo ano em 4%.

Na pesquisa do Valor, também foram questionadas as projeções de inflação dos agentes do mercado tanto para este ano quanto para 2022. Muitos profissionais, porém, destacaram a incerteza crescente diante da crise hídrica, que pode pressionar as estimativas para o IPCA de 2021, em especial. Assim, muitas casas têm viés de alta em suas projeções. Cabe destacar, ainda, que diversas instituições já projetam a inflação em torno de 8% no fim deste ano.

Para 2022, o principal ano no horizonte relevante da política monetária, a mediana das projeções coletadas aponta para o IPCA em 3,99%. No entanto, algumas instituições estimam a inflação em níveis bem mais altos - caso da Pezco, cuja projeção aponta para 4,70% no fim do ano que vem.

“Tivemos uma frustração na expectativa de fortalecimento do real. De junho para cá, o dólar se estabilizou entre R$ 5,20 e R$ 5,30 e existem elementos que ganharam mais relevância no curto prazo e que dão força à expectativa de que talvez não aconteça uma apreciação do real com tanta facilidade”, afirma Helcio Takeda, economista da consultoria, para quem um ambiente externo mais desafiador deve manter o câmbio e os IGPs pressionados.

Assim, a Pezco acredita que, em um ambiente de inércia inflacionária elevada para 2022, há risco de a desaceleração das pressões inflacionárias demorar um pouco mais do que o esperado pelo mercado no momento. “Poderia acontecer ao longo do primeiro semestre, mas esse movimento pode ser empurrado para o segundo semestre de 2022”, diz Takeda.

O economista avalia que o Banco Central pode ter que elevar os juros para níveis mais altos do que espera hoje. “Trabalhamos com a hipótese de que as regras fiscais serão respeitadas, mas, mesmo nesse ambiente, se pensarmos no ajuste do Bolsa Família, haverá, inevitavelmente, uma pressão de demanda. Junto a isso, existe uma poupança precaucional que ainda não foi direcionada para bens e serviços. Uma Selic maior pode ser necessária para conter essa demanda que deve aparecer”, afirma Takeda, que vê a Selic em 9,5% em 2022.

De acordo com Mauricio Une, economista-chefe do Rabobank no Brasil, a questão dos precatórios não estava na conta e “isso tem feito com que o câmbio fique mais volátil”. Assim, ele diz que o movimento deve ter impacto na inflação do período, mesmo que a projeção para o dólar se mantenha em R$ 5,15 no fim do ano. “Com essas questões trazendo viés de alta para a perspectiva de inflação deste ano, pode haver uma inércia maior para o ano que vem também”, diz, o que pode levar ainda mais para cima a projeção para a Selic.

No momento, o Rabobank espera que o IPCA termine 2021 em 7,1% e que a Selic encerre o atual ciclo em 7,5%. Une, porém, ressalta que as projeções da casa estão sob revisão para contemplar mudanças nas premissas de cenário. Além das bandeiras tarifárias nos preços de energia elétrica, os números também devem contemplar a trajetória mais volátil do câmbio e alguma eventual mudança na trajetória da política monetária nos Estados Unidos.

A Franklin Templeton tem um dos cenários mais extremos da pesquisa. Em sua avaliação, os preços administrados devem seguir pressionados devido à crise hídrica, o que levaria o IPCA a terminar 2022 em 5% e forçaria o BC a elevar a Selic para 8,5% já no fim deste ano.

“Parece claro que a alta dos preços de energia elétrica não é transitória, mas tem alguma persistência, que já dá seus sinais”, afirma o diretor de investimentos de renda fixa e multimercados da Franklin, Renato Pascon, em referência à notícia de que o presidente Jair Bolsonaro editou decreto que obriga o racionamento de energia em órgãos públicos.

Nesse sentido, Pascon diz que a inflação deve desacelerar - a instituição prevê IPCA de 8% neste ano -, mas não caminhará rapidamente para o centro da meta. “Os preços administrados me preocupam bastante e também tem a performance das commodities. Não devemos esperar que esses preços caiam, mas que, no melhor dos mundos, subam com uma intensidade menor do que têm mostrado”, aponta.


Reprodução da matéria publicada no “Valor Econômico”, 26/08/2021.