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AGO 21
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Mercado passou a olhar com atenção redobrada para os juros futuros a fim de medir o Risco Brasil

É difícil dizer que o BC será mesmo forçado a elevar a Selic para 10% até 2023, mas sem dúvida alguma, virou uma régua do risco que não pode ser ignorada

Fábio Alves

O câmbio e os contratos de Credit Default Swap (CDS), que medem a probabilidade de calote de um governo ou de um emissor de dívida privado, sempre foram o termômetro mais visível do chamado Risco Brasil para os investidores, mas nas últimas semanas o mercado passou a olhar com atenção redobrada para os juros futuros a fim de medir as incertezas fiscais, macroeconômicas e políticas do País.

Teve grande repercussão na semana passada a disparada dos juros futuros, com a taxa dos contratos de longo prazo ultrapassando o patamar de dois dígitos. Nos contratos com vencimento em 2027, isso não acontecia desde dezembro de 2018.

O dólar seguirá refletindo o humor dos investidores em relação do Brasil, particularmente os riscos mais imediatos. Já os juros futuros passaram a precificar os temores com questões estruturais, como a trajetória das contas do governo e da dívida pública nos próximos anos.

Segundo o economista-chefe do Bradesco BBI, Dalton Gardimam, todos os contratos de vencimento a partir de 2027 registrando juros acima de 10% traduzem apostas do mercado de que a taxa Selic atingirá 10% até fevereiro de 2023.

Mais do que refletir um temor com a inflação, essas taxas acima de 10% mostram que os investidores estão cobrando um salgado prêmio de risco diante da piora da percepção com a trajetória fiscal do Brasil, especialmente após a eleição presidencial de 2022.

É interessante notar que as estimativas dos analistas apontam inflação na meta em 2023 (de 3,25%) e em 2024 (de 3,0%), conforme a mais recente pesquisa Focus, do Banco Central. Gardimam, do Bradesco BBI, lembra que, no fim de 2020, as taxas dos contratos futuros de prazos mais longos – que hoje precificam os juros básicos a 10% em fevereiro de 2023 – embutiam apostas de Selic ao redor de 7,5%, com exatamente as mesmas estimativas de inflação para 2023 e 2024.

“Desnecessário dizer que, enquanto as projeções de inflação de longo prazo devem ser levadas com alguma cautela pelos investidores, todos esses números (as taxas dos contratos futuros) sugerem um risco fiscal elevado que exigirá ação positiva do Congresso e do Executivo a fim de controlar essa questão”, diz Gardimam, em nota a clientes.

Nas últimas semanas, a curva de juros vem apresentando uma forte inclinação, com aumento do diferencial das taxas entre os contratos curtos e longos. Esse movimento é um sinal negativo, pois significa que a reação dos investidores vai muito além da aposta em relação aos próximos passos da política monetária.

Essa inclinação da curva de juros se agravou após o governo encaminhar ao Congresso a PEC dos Precatórios e a Medida Provisória (MP) que reformula o programa Bolsa Família, com a perspectiva de um aumento substancial dos benefícios. A proposta do governo de parcelar o pagamento dos precatórios foi vista como uma séria ameaça à manutenção do teto de gastos, a principal âncora fiscal do Brasil na visão do mercado.

“Nos preços atuais, as taxas refletem certa probabilidade, supostamente elevada, de que o regime fiscal e o teto de gastos serão flexibilizados”, diz Marcelo Fonseca, economista-chefe do fundo Opportunity Total. “Caso esse risco se materialize, se torne um fato consumado, é óbvio que os preços não ficarão nos níveis atuais, sofrerão substancial deterioração adicional.”

Para Fonseca, não parece haver exageros na precificação do mercado em relação aos riscos fiscais, isto é, levando as taxas dos contratos mais longos para ao redor ou acima de 10%. Segundo ele, a Selic não deve encerrar o atual ciclo de aperto monetário do BC abaixo de 8%.

“A inclinação dos contratos mais longos em relação a esse patamar não está fora de esquadro quando comparamos com outros episódios de alta incerteza política e econômica”, argumenta Fonseca. “E o momento atual está contaminado por vários elementos de risco – dúvidas não apenas quanto à manutenção do regime fiscal, mas também, e sobretudo, quanto à continuidade da política econômica no pós-eleição.”

É difícil dizer que o BC será mesmo forçado a elevar a Selic para 10% até 2023, como indicam hoje as taxas dos contratos futuros mais longos. Ou seja, que a curva de juros antecipa com exatidão a trajetória da política monetária nos próximos anos. Mas, sem dúvida alguma, virou uma régua do risco que não pode ser ignorada.


Reprodução da matéria publicada no “Estadão”, 25/08/2021.