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ABR 21
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Temporada de balanços pode definir rumo em NY

Há um consenso de que as ações cíclicas, aquelas mais atreladas ao crescimento econômico, devem despontar nos próximos meses

Por Rafael Vazquez, André Mizutani e Gabriel Roca

Depois do nervosismo visto em março com a escalada dos rendimentos dos Treasuries de longo prazo, a primeira semana de abril teve sessões mais tranquilas em Wall Street, com os investidores à espera de novos elementos que definam quais ações sairão ganhadoras em meio ao aquecimento da economia dos EUA.

Com o Federal Reserve (Fed) reforçando a cada fala seu comprometimento de manter a política monetária ultrafrouxa, o mercado tem no radar, a partir desta semana, o início da temporada de balanços do primeiro trimestre, que servirá para analisar melhor o ritmo em que a economia anda. E a partir daí, avaliar se a promessa do Fed poderá ser mantida até 2023 ou se, como alguns analistas desconfiam, a normalização será antecipada para 2022.

No vai e vem dos mercados nas últimas duas semanas, marcado por Treasuries mais contidos, as ações de tecnologia voltaram a ser compradas. Contudo, há um consenso de que as ações cíclicas, aquelas mais atreladas ao crescimento econômico, devem despontar nos próximos meses.

“Estamos em um ponto, com o S&P 500 a mais de 4 mil pontos, em que o mercado está em compasso de espera. Chegamos aqui com todos os estímulos fiscais e monetários, e agora o mercado está esperando para ver se os lucros corporativos vão refletir o otimismo que tínhamos”, disse ao Valor Noberto Zaiet, fundador da Picea Value Investors, sediada em Nova York.

Na semana passada, o índice S&P 500 acumulou alta de 2,71%, a 4.128 pontos. O índice eletrônico Nasdaq avançou 3,12% no período. O rendimento (“yield”) do Treasury de dez anos fechou a 1,656%.

A temporada de balanços começará a esquentar na quarta-feira, com a divulgação dos resultados de J.P. Morgan e Wells Fargo. Bank of America e Citi revelam seus números na quinta-feira.

Para Zaiet, as ações dos bancos podem ser as mais beneficiadas pelo movimento, caso os balanços corporativos confirmem o otimismo dos investidores com a recuperação econômica.

Por outro lado, sinais de um aquecimento mais forte na maior economia do mundo podem impulsionar novamente os juros dos Treasuries de dez anos e as expectativas de inflação, trazendo de volta os receios de que o Fed mude sua postura ultra-acomodatícia.

Para o estrategista-chefe da Avenue Securities, William Alves, a continuidade da escalada dos juros dos Treasuries pode não representar uma ameaça para o rali nos preços das ações americanas. “Não há nível mágico dos juros dos Treasuries que vão disparar uma aversão ao risco. Durante o governo Trump, os yields [das T-notes de dez anos] chegaram a 3,2% e isso não impediu que as ações continuassem performando bem.”

Caso a trajetória ascendente dos juros seja ordenada e reflita as expectativas maiores de crescimento da economia americana, diz Alves, as perspectivas para a valorização do mercado acionário do país continuam positivas. “Se a economia cresce, as empresas mais ligadas aos EUA se beneficiam. A Alphabet, a Microsoft e a Apple são empresas que possuem negócios mais globais. Elas precisam que o mundo como um todo cresça também, e não sabemos neste momento se isso vai ocorrer.”

Embora o cenário não pareça tão promissor para as ações de tecnologia quanto foi no último ano, em meio à pandemia, quando se beneficiaram dos estímulos e dos novos hábitos das pessoas mais tempo dentro de casa, o momento mais propício para as empresas cíclicas não significa que o setor tecnológico não possa continuar atraente para os investidores.

“É difícil caracterizar todas as ações de tecnologia da mesma maneira. Existem algumas, inclusive, que são mais cíclicas”, comenta o sócio e gestor do Opportunity Global Equity, Vinicius Ferreira. “Por exemplo, o Google [da Alphabet] é uma empresa que pode se beneficiar por vários motivos, pois se monetiza por meio de anúncios e diversas buscas no site são geradas a partir de atividades que as pessoas não puderam fazer durante a pandemia, como turismo”, afirma.

Segundo Ferreira, movimentos que se tornaram comuns recentemente, como o Nasdaq caindo quando os juros dos Treasuries de longo prazo sobem e vice-versa, refletem o fluxo de reposicionamento dos investidores, mas isso não significa que as ações de tecnologia perderão apelo.

“Em momento de incerteza, as pessoas se posicionaram mais nessas empresas [tecnológicas], mas quando existe uma perspectiva de mudança de cenário as pessoas mudam seus portfólios e isso gera alguns movimentos mais exagerados. Porém, acreditamos que, no médio e longo prazo, os fundamentos vão se refletir”, avalia o gestor do Opportunity, que administra investimentos nas bolsas americanas e mantém a maior parte do portfólio nas empresas de tecnologia, além de papéis ligados à infraestrutura.

Zaiet aponta também que o plano de investimentos proposto pelo presidente americano, Joe Biden, deve beneficiar bastante os setores industrial e de materiais. Ao mesmo tempo, o nervosismo que existia durante a eleição do ano passado, com o impacto sobre o mercado acionário de uma possível elevação dos impostos corporativos, ainda não está se materializando.

“A proposta de aumento de impostos não está assustando os investidores, porque já estamos vendo até mesmo uma resistência dos próprios democratas para o plano inicial de elevação dos impostos corporativos para 28%. Eu acho que chegaremos a algo próximo dos 25%, o que não assusta ninguém”, diz Zaiet. O pacote de investimentos também deve alimentar ainda mais o otimismo com a recuperação econômica e impulsionar mais os preços das commodities, o que beneficiará as economias emergentes. O Brasil, porém, pode perder a oportunidade. “Este seria um momento em que o Brasil deveria se beneficiar, com todos os investimentos impulsionando as commodities. Só que não estamos vendo isso por causa de todos seus problemas domésticos.”


Reprodução da matéria publicada no “Valor Econômico”, 12/04/2021.