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MAI 21
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Susto com inflação nos EUA em abril derruba mercados

Ibovespa perde a marca de 120 mil pontos e dólar sobe a R$ 5,30 com aversão global ao risco

Susto com inflação nos EUA em abril derruba mercados
Por Lucas Hirata, Marcelo Osakabe, Victor Rezende, Olívia Bulla e Felipe Saturnino

O susto com o aumento da inflação americana em abril, que superou em muito as expectativas dos analistas, detonou uma forte correção em ativos de risco pelo mundo. Divulgado logo no início do pregão desta quarta-feira, o indicador reacendeu os temores sobre uma possível retirada dos estímulos antes do esperado pelo Federal Reserve. E a reação negativa foi evidente nos mercados brasileiros. O Ibovespa perdeu a marca de 120 mil pontos, em um tombo de quase 3%, enquanto o dólar subiu a R$ 5,30 e os juros futuros tiveram forte alta.

Depois de se aproximar de 123 mil pontos na véspera, o Ibovespa fechou em queda de 2,65%, aos 119.710 pontos. Já o mercado de câmbio até tentou resistir ao ambiente de maior cautela, mas cedeu e encerrou com uma alta de 1,57% do dólar, a R$ 5,3043. No mercado de juros, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 subiu de 6,51% para 6,74%.

A reação no mercado corresponde ao tamanho da surpresa com os números de inflação ao consumidor americano. Os analistas já esperavam um resultado elevado para o mês de abril, mas o índice de preços ao consumidor (CPI) americano acelerou ainda mais, para 4,2% na base anual em abril, superando a projeção de 3,6% dos analistas consultados pelo “Wall Street Journal”.

“Os juros estão abrindo no mundo inteiro. O mercado está digerindo esse susto e reavaliando o cenário econômico nos EUA”, avalia Ricardo Cará Monteiro, sócio e gestor da Macro Capital. De fato, o retorno do BTP italiano de dez anos subiu para 1,029%, ultrapassando a marca de 1% pela primeira vez desde setembro; já a taxa do Bund alemão de dez anos avançou para -0,120%, no maior nível desde maio de 2019. Tudo isso seguindo a taxa dos Treasuries de 10 anos, que superou a barreira de 1,70%.

Tal quadro coloca em risco o ambiente construtivo para mercados emergentes. “Com juros americanos subindo, a demanda por ativos de risco diminui e o mercado global vai ficar mais seletivo. É um cenário ruim para emergentes”, alerta o gestor do Opportunity Total, Marcos Mollica. Para ele, todo esse cenário é especialmente negativo para países como o Brasil, que “ainda estão com dificuldades fiscais e já partiram de quadro inflacionário mais pressionado.”

Também entrou no radar do mercado financeiro, ainda que de forma tímida, o depoimento do ex-secretário da Secom, Fabio Wajngarten, à CPI da covid, sobre carta da Pfizer ao governo que ficou sem resposta das autoridades.

Sinal da pressão geral, o principal fundo de índice (ETF) para emergentes conhecido como EEM caiu 2,76%. Já o ativo semelhante para o Brasil (EWZ) perdeu 4,20%.

Para Aline Cardoso, gestora de ações na EQI Asset, o cenário ainda está muito incerto e os rumos do mercado vão depender dos próximos dados de atividade e inflação nos EUA. “Mas vemos sinais de que a economia está superaquecendo, sim”, afirma a executiva. Para ela, a economia americana tem mostrado problemas de gargalo na indústria e até na oferta de mão de obra.

“Tem gente muito boa que acha mesmo que o problema de inflação é transitório e que, quando os gargalos nas cadeias de suprimento forem resolvidos, a inflação vai desacelerar brutalmente. Mas, na minha opinião, os emergentes vão passar calor nos próximos meses”, diz a gestora da EQI Asset.

A questão da inflação pelo mundo, inclusive, já tem sido um ponto de alerta do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Na ata de sua última reunião, divulgada na terça-feira, o colegiado apontou que, no cenário externo, a ociosidade da economia e a comunicação dos principais bancos centrais sugerem que os estímulos monetários terão longa duração. “Contudo, questionamentos dos mercados a respeito de riscos inflacionários nessas economias podem tornar o ambiente desafiador para países emergentes.”

Para a estrategista-chefe da MAG Investimentos, Patricia Pereira, o ambiente externo positivo para emergentes nos últimos dias ajudou o bom desempenho dos ativos brasileiros, o que se materializou, em especial, na valorização do real. “Agora, vimos um indicador no lado oposto. O índice cheio de inflação nos EUA veio muito mais forte e o núcleo também. O mercado acabou agindo dessa maneira, com bastante volatilidade”, diz. “O nosso juro vai junto porque não temos muita novidade para contar, já que, do ponto de vista fiscal, estamos na mesma.”


Reprodução da matéria publicada no “Valor Econômico”, 13/05/2021.